Quando a moda alimenta o problema: como tendências gastronômicas afetam o meio ambiente


Imagine um chocolate que derrete na boca, com um creme de pistache envolto em fios crocantes de kadaif, os famosos "cabelos de anjo". Esse é o chocolate de Dubai, símbolo de luxo e viral nas redes sociais. Criado por Sarah Hamouda, da Fix Dessert Chocolatier, ele se tornou uma febre global, impulsionado por criadores de conteúdo. Mas, por trás desse sucesso, há um custo alto: a cada 100 gramas, cerca de 7 euros (R$ 44), e receitas caseiras que bombou na internet.

O problema?
Essa moda despertou um apetite voraz por pistaches, elevando as importações da União Europeia em um terço em 2024, com valores ultrapassando 100 milhões de euros pela primeira vez.

Pistaches: O Ouro Verde que Seca o Solo

Os pistaches prosperam em climas quentes e secos, e em regiões como a Espanha, maior produtora europeia, a área cultivada quintuplicou desde 2017, substituindo até oliveiras. É uma fruta interessante para as mudanças climáticas, uma adaptação promissora, diz Stig Tanzmann, assessor agrícola da Brot für die Welt (Pão para o Mundo).

Mas a realidade é cruel: para garantir rendimentos altos em um mercado caro, eles exigem irrigação extra. Produzir 1 kg de pistache consome mais de 10 mil litros de água, provocando escassez em áreas secas. E as mudanças climáticas complicam tudo: invernos mais quentes impedem a floração, ameaçando a produção. O luxo tem um preço e o planeta paga com sede.

Matcha: O "Superalimento" que Faz Preços Dispararem

Agora, pense no chá matcha: aquele pó verde amargo, rico em antioxidantes, vitaminas e minerais, que virou hit global. Originário da China, o matcha premium vem do Japão, onde as plantas são sombreadas, colhidas manualmente, vaporizadas e moídas para extrair apenas a "polpa da folha". 
Antes, era exclusivo de cerimônias tradicionais, mas hoje está em tudo: lattes prontos, barras de chocolate e prateleiras de supermercados. O mercado global deve quase dobrar nos próximos 5-7 anos, segundo analistas.

O boom tem consequências: no Japão, os preços de compra triplicaram em um ano, e no varejo, dobraram. "Isso afeta quem faz cerimônias do chá e fabricantes de doces. Alguns pararam de consumir ou reduziram", conta Yuji Yamakita, comerciante de chá em Kyoto. Agricultores sem recursos financeiros lutam para acompanhar a demanda, correndo risco de sair do negócio. 
Quem sofre mais? Os que atendem o mercado interno, enquanto o mundo saboreia o "superalimento".


Quinoa: O "Grão dos Andes" que Desertifica Terras

E a quinoa? Esse pseudocereal dos Andes sul-americanos foi declarado "Ano Internacional da Quinoa" pela FAO em 2013 para destacar sua importância na segurança alimentar. Mas virou "superalimento" global, e a demanda explodiu. 
No Peru e na Bolívia, principais produtores, os preços subiram tanto que os locais mal conseguem comprá-la, apesar de ser um alimento básico, explica Tanzmann.

O meio ambiente também arca com o ônus. Terrenos inadequados foram explorados, como no altiplano boliviano, antes usado para criar lhamas. "É muito seco para quinoa extensiva", diz Marcus Wolter, especialista da Misereor. Funcionou por alguns anos com chuvas suficientes, mas agora a seca persiste. 
Arar o solo gera erosão: ventos fortes levam a terra fértil, tornando pastos improdutivos e dificultando o retorno à pecuária. A moda deixa cicatrizes no solo.

O Que Resta Quando a Moda Passa?

A origem de 10 alimentos que hoje sao globalizados A maioria do que se coloca no prato diariamente procede de lugares espalhados pelo mundo. Um estudo do Centro Internacional para a Agricultura Tropical (CIAT) identificou a origem de alimentos considerados globais.

Seja pistache, matcha, quinoa ou a próxima novidade: organizações como a Fairtrade aconselham diversificação. "Não dependam de uma só matéria-prima", diz Claudia Brück, diretora da Fairtrade na Alemanha
Cultivar para mercados locais e internacionais, misturando culturas como café e feijão, mantém o solo saudável, permite alimentos próprios e abre portas para exportações, como manga. Assim, quando a moda acabar e os preços caírem, a receita continua.

Mas a responsabilidade vai além: quem lança essas tendências deve pensar na sustentabilidade desde o início. "Se você incentiva algo assim, tem dever de considerar o impacto total, não só vender mais", alerta Tanzmann. 
O luxo na mesa é tentador, mas o planeta cobra caro. E você, está pronto para escolher alimentos que cuidam do futuro?

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